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“Adequação à Nova Normativa De Proteção De Dados, Em Especial à LGPD, é Um Aspecto Fundamental”

Em entrevista exclusiva ao CNB/PB, o professor e consultor jurídico em proteção de dados, João Rodrigo Stinghen, falou sobre o impacto da LGPD nas serventias extrajudiciais brasileiras e as providências que devem ser adotadas para plena adequação

Com a implantação da Lei 13.709/2018, popularmente conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, diversos setores precisaram se adequar às novas exigências da legislação. Entre eles, as serventias extrajudiciais de Notas e de Registro Civil, que são responsáveis por lavrar atos essenciais para a vida dos cidadãos.

Em vigor desde agosto de 2020, a LGPD dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

A lei institui que os titulares dos dados pessoais têm direitos garantidos, como o amplo acesso, correção de informações incorretas, eliminação de dados desnecessários e a portabilidade dos dados. Além disso, a LGPD prevê sanções para empresas e organizações que não cumprirem as normas, incluindo multas e outras penalidades.

Dado o exposto, tornou-se fundamental que as serventias extrajudiciais, como agentes de atividades que frequentemente lidam com dados pessoais sensíveis, como informações de identificação civil, imobiliárias, financeiras, entre outras, se adequem às normas da LGPD. Como forma de regulamentar essa implementação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu o Provimento n. 134/2022, em 24 de agosto de 2022, que estabeleceu uma série de medidas a serem adotadas pelas serventias extrajudiciais em âmbito nacional para o processo de adequação.

Para isso, diversas providências técnicas e organizacionais devem ser implementadas com o intuito de proteger os dados pessoais coletados e tratados, além de estabelecer políticas de privacidade e transparência. Isso inclui a revisão de políticas e procedimentos internos, o treinamento de funcionários e a adoção de medidas de segurança da informação adequadas.

Para aprofundar o debate sobre essa questão, o Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraíba (CNB/PB) realizou uma entrevista exclusiva com o advogado membro do comitê jurídico e coordenador do comitê de conteúdo da Associação Nacional de Profissionais de Privacidade de Dados Pessoais (ANPPD), João Rodrigo Stinghen.

Especialista no assunto, João é pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), sócio fundador do Instituto de Compliance Notarial e Registral (ICNR) e autor do livro “LGPD e Cartórios: implementação e questões práticas” e de diversos artigos e cursos em direito notarial e de registro.

Confira a entrevista completa abaixo:

CNB/PB – Como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impacta nos tratamentos de dados pessoais promovidos por serventias extrajudiciais?

João Rodrigo Stinghen – A proteção de dados pessoais é um direito fundamental previsto o art. 5º, inciso LXXIX da Constituição Federal. Isso tem uma razão histórica: com o passar dos anos, a importância da privacidade cresceu exponencialmente, sobretudo depois que a humanidade percebeu o que pode acontecer com o uso abusivo de dados. Da privacidade, evoluímos para a proteção de dados pessoais: não se trata apenas de limitar acesso aos dados, mas ter controle sobre eles.

As serventias extrajudiciais lidam com diversos dados pessoais na sua atividade habitual. Por isso, a adequação à nova normativa de proteção de dados, em especial à LGPD, é um aspecto fundamental. Não se trata apenas de manter seu acervo organizado, mas de estar preparado para atender novos patamares de segurança da informação, bem como de atender os direitos dos titulares de dados.

CNB/PB – Quais são as principais mudanças que os cartórios precisam fazer em suas práticas para a plena adequação à LGPD?

João Rodrigo Stinghen – Pode haver mudanças maiores ou menores, conforme o nível de aderência atual da serventia às normas de proteção de dados. Isso porque existem cartórios que estão com muita coisa adiantada, desde muito antes da LGPD, e outros que precisam iniciar a adequação do zero.

A implementação da LGPD não tem como objetivo alterar de maneira drástica o cotidiano da prestação do serviço notarial e registral, mas apenas em detalhes. Só que são muitos detalhes. E a soma deles cria um contexto totalmente diferente.

Vamos dar alguns exemplos. Se tenho como costume fazer anotações à mão, vou guardar essas anotações com dados pessoais num lugar seguro (ex: gaveta com chave), vou descartá-las de maneira correta (picotando) e não usarei documentos contendo dados pessoais como papel de rascunho; se eu compartilhava minha senha do sistema com meu colega, não farei mais isso; se eu passava um monte de informações por telefone, agora passarei menos dados e pedirei a confirmação de identidade de quem está falando. E assim por diante.

Para o tabelião (ou qualquer delegatário), ter a LGPD implementada é dormir em paz, sabendo que a legalidade está sendo cumprida, que os direitos dos usuários e colaboradores estão sendo respeitados, que não há risco de sanções/indenizações; e que os corregedores estão contentes com você.

CNB/PB – De que forma a LGPD pode beneficiar os usuários dos serviços cartorários e garantir seus direitos em relação à privacidade e proteção de dados pessoais?

João Rodrigo Stinghen – A proteção de dados pessoais traz uma série de benefícios aos usuários, benefícios estes cada vez mais importantes no contexto de uma sociedade da informação, hiperconectada e digitalizada.

Sem uma normativa abrangente e protetiva como a LGPD, nenhum cidadão pode gozar de total segurança e confiança com relação ao tratamento de seus dados. Informações podem ser compartilhadas com terceiros sem justa causa para tanto, ou com empresas que venham a se utilizar delas para seu uso econômico. Fato é que a privacidade informacional hoje em dia é um aspecto cada vez mais indispensável da liberdade, da vida privada de cada pessoa.

No tocante aos cartórios, a adequação significa que o titular de dados pode ter seus direitos respeitados enquanto solicita a prática de atos notarias/registrais.

De maneira mais concreta, ele pode encontrar no cartório: (i) informações acessíveis, através de políticas de privacidade claras e transparentes; (ii) um canal de atendimento para fazer suas solicitações, que devem ser solucionadas com brevidade e assertividade; (iii) a segurança de que seus dados estão protegidos por medidas técnicas e organizacionais; (iv) a confiança de que seus dados não serão utilizados para finalidades distintas das informadas.

CNB/PB – Quais são as penalidades previstas pela LGPD em caso de descumprimento por parte dos cartórios?

João Rodrigo Stinghen – A partir do art. 52 da LGPD, os tabeliães se sujeitam a uma série de sanções administrativas, aplicáveis pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Tais sanções podem variar desde uma mera advertência até mesmo a suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais.

Além disso, os cartórios têm uma fiscalização mais específica feita pelo Poder Judiciário. Desrespeitar a LGPD é uma infração passível de sanção pela corregedoria, na forma do art. 31, I da Lei n. 8.935/1994. Diante disso, os tabeliães estarão sujeitos às penalidades de repreensão, multa, suspensão e perda de delegação, conforme a gravidade do ato infracional.

Mas isso não é um “terrorismo”. A aplicação de qualquer sanção depende de processo administrativo com garantia de ampla defesa e contraditório. E nesse momento ter feito uma boa adequação faz toda a diferença.

Demonstrar que está adequado pode diminuir ou até mesmo afastar sanções por completo. E como demonstrar isso? Apresentando comprovações de que cumpriu todas as exigências do Provimento 134/2022 do Conselho Nacional de Justiça, de que participou de treinamentos regularmente junto com a equipe, de adotou no cotidiano boas práticas de segurança, de que atendeu bem às solicitações dos titulares de dados, etc.

Todos estamos sujeitos a falhas internas e incidentes de segurança. Quem fez seu dever de casa não será punido ou terá uma sanção leve, ao passo de quem empurra tudo com a barriga provavelmente será punido com rigor.

CNB/PB – Como os cartórios podem se preparar para futuras atualizações da legislação de proteção de dados?

João Rodrigo Stinghen – É dever dos tabeliães buscar sempre se informar sobre os mais recentes provimentos do CNJ. Para além disso, a leitura constante dos noticiários jurídicos em geral e aqueles dedicados à atividade notarial e registral em particular sempre convém.

Além de estudar a LGPD e o Provimento 134, é preciso se manter atento às publicações da ANPD, que constantemente traz orientações e regulamentos sobre aspectos da LGPD. Desde 2020, são dezenas de publicações. Vale a pena acompanhar no site da entidade.

Ainda, é importante manter-se atualizado com o que publicará a Comissão de Proteção de Dados do CNJ, criada pelo art. 3º do Provimento 134. Essa comissão será responsável por propor diretrizes com critérios sobre a aplicação, interpretação e adequação das Serventias à LGPD, espontaneamente ou mediante provocação pelas entidades de classe dos cartórios.

Quem gostou do nosso conteúdo, pode aproveitar nossos materiais também. Temos o “Provimento 134 Comentado” (https://lgpdnocartorio.com.br/provimento134), um e-book “obrigatório” para todos os cartórios e prestadores de serviço para cartórios, pois explica, de maneira breve e em linguagem acessível, todas as exigências do regulamento.

Quem quiser se aprofundar mais e aprender na prática, pode adquirir nossa mentoria de 30h online, em que explicamos item a item da LGPD e do Provimento 134, e fornecemos modelos para ajudar no processo de adequação: https://lgpdnocartorio.com.br/pdcelite.

CNB/PB – De que forma a participação de consultorias especializadas no tema pode facilitar o trabalho dos cartórios dentro da lei?

João Rodrigo Stinghen – Ninguém tem a obrigação de saber sobre tudo. Por exemplo, um médico que opera coluna não necessariamente vai saber operar o coração.

No mundo jurídico não é diferente. Os tabeliães e seus colaboradores são juristas de alto nível e sabem “tudo” de cartório. Mas isso não quer dizer que saibam tudo do mundo jurídico, especialmente de uma área tão nova e complexa como a proteção de dados.

Por isso acredito que todos devem de alguma forma buscar o auxílio de profissionais especializados, que poderão oferecer orientação e fornecer os caminhos para que os cartórios possam cumprir com seus novos deveres legais. Quem não tiver condições de contratar uma consultoria, com certeza pode adquirir treinamentos e mentorias.

O ICNR oferece desde 2020 serviços de adequação com foco em cartórios, com excelentes resultados. Se você quiser uma demonstração gratuita, agende uma reunião com nossos especialistas: https://lgpdnocartorio.com.br.

CNB/PB – Por fim, poderia informar sobre algumas das tendências futuras em relação à proteção de dados pessoais no setor extrajudicial?

João Rodrigo Stinghen – Não há dúvida de que a LGPD veio para ficar no Brasil. Além disso, é certo que os órgãos de fiscalização concretizarão cada vez mais as normas, trazendo mais rigor nas exigências sobre proteção de dados.

Para os cartórios, que lidam diariamente com grande volume de informação, a proteção de dados é algo ainda mais relevante. Isso se percebe em razão do comportamento do Judiciário, que desde 2020 vem produzindo provimentos sobre o tema em âmbito estadual e federal. Se contar a criação de uma Comissão na Corregedoria Nacional apenas para tratar de questões relacionadas à LGPD aplicada aos cartórios.

Como costumamos dizer em nossas palestras: a LGPD é uma realidade, cedo ou tarde você terá que se confrontar com ela. Pode ser na dor, com o corregedor, ou no amor, com o ICNR. Qual opção você escolhe?

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