A advogada e autora da obra “Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo”, Marília Pedroso Xavier, fala sobre dúvidas relacionadas ao contrato de namoro.
Em resposta às mudanças nos padrões de relacionamento e às necessidades dos casais modernos, o contrato de namoro tem ganhado destaque como uma ferramenta legal para definir as diretrizes e expectativas dos parceiros. Essa tem se tornado uma opção cada vez mais frequente para aqueles que não pretendem constituir uma família, ou seja, que não desejam formalizar uma união estável, e optam por oficializar essa vontade em um cartório de notas.
O contrato é um documento elaborado e assinado pelos namorados, com assistência de um advogado especialista na área de Direito de Família, estabelecendo as condições e os termos da relação. Essa ferramenta pode trazer clareza e segurança para ambas as partes e os casais têm encontrado com esse ato uma forma de estabelecer limites, direitos e deveres, com o objetivo de evitar conflitos futuros e proteger o patrimônio individual.
O reconhecimento do contrato de namoro em formato extrajudicial é uma tendência recente, impulsionada pela busca por maior estabilidade e previsibilidade nas relações afetivas. De acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), em 2007 apenas sete contratos de namoro foram feitos em todo o país. Em 2022, esse número chegou a 92 acordos firmados entre os casais. Já em 2023, foi constatado um crescimento exponencial, só neste primeiro semestre foram contabilizados 311 contratos.
Para esclarecer as dúvidas sobre esse assunto, o Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraíba (CNB/PB) entrevistou a advogada e professora da graduação e da pós-graduação strictu sensu da Faculdade de Direito da UFPR, Marília Pedroso Xavier. Autora da obra “Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo”, livro que apresenta os fundamentos do contrato de namoro e seus requisitos, Marília é doutora em Direito Civil pela USP e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Confira a íntegra da entrevista abaixo:
CNB/PB – O que é um contrato de namoro e qual é a sua finalidade?
Marília Pedroso Xavier – O contrato de namoro é uma espécie de negócio jurídico no qual as partes que estão tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que não há entre elas objetivo de constituir família. Por consequência, afasta-se a constituição de uma união estável e dos direitos dela decorrentes, como pensão alimentícia e direitos sucessórios.
CNB/PB – Quais benefícios os casais adquirem ao fazer esse instrumento jurídico?
Marília Pedroso Xavier – O planejamento sucessório tem se tornado uma verdadeira necessidade para a população brasileira, a qual conta com os mais diversos arranjos familiares e afetivos, mas que em geral está submetida a uma única legislação que dificilmente se adequa aos exatos anseios dos interessados. Dessa forma, percebe‑se que o contrato de namoro colmata lacunas jurídicas inquietantes. Ele alcança algo que nem mesmo outros instrumentos conjugados e/ou combinados podem oferecer. Ao firmarem um contrato de namoro, as partes afastam a eventual configuração de união estável. E, ipso facto, todas as incertas consequências que esta última figura oferece contemporaneamente.
CNB/PB – Quais as principais diferenças entre o namoro e uma união estável?
Marília Pedroso Xavier – Um mero namoro não é, por si só, um fato tutelado pelo direito. A relação de namoro não configura família em termos jurídicos e, assim, não há direitos e deveres entre as partes como partilha de bens, direito sucessório, pensão alimentícia etc. Se o relacionamento for uma união estável, por outro lado, será uma relação reconhecida como família pelo nosso ordenamento jurídico e com toda concessão de direitos e deveres.
CNB/PB – Qual a importância desse ato notarial para proteção patrimonial?
Marília Pedroso Xavier – Embora não haja uma vinculação cogente, é certo que a pactuação de contrato de namoro pela forma pública pode representar inúmeros ganhos em termos de segurança jurídica. É que o fato de as partes terem que se dirigir ao cartório para a assinatura poderá ter o condão de afastar inúmeros argumentos que poderiam sugerir invalidades jurídicas no instrumento. Ficará muito difícil que uma das partes alegue desconhecimento da existência e do teor documento, como se tivesse simplesmente “assinado uma pilha de papéis sem saber o exato conteúdo”. Também, o documento público ficará imortalizado e sobreviverá ao decurso do tempo, eliminando riscos oriundos de perdas e de extravios das vias, já que uma nova cópia poderá ser solicitada a qualquer tempo. Além disso, haverá a mitigação da possibilidade de anulação do negócio jurídico sob o fundamento de restarem configurados vícios ou defeitos do negócio jurídico, como erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão. Por fim, ressalta‑se também que a pactuação realizada em cartório fará com que o conteúdo firmado seja dotado de publicidade, o que certamente contribuirá ainda mais para que não haja nenhum tipo de surpresas no futuro nesse campo. Com isso, conclui‑se pelo incentivo ao uso da forma pública para a pactuação de contratos de namoro como medida apta a trazer mais segurança jurídica para todas as partes envolvidas em sua elaboração e assinatura.
CNB/PB – Existe validade nesse tipo de contrato?
Marília Pedroso Xavier – Sim. Não há nenhum dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro que proíba a pactuação dos contratos de namoro. Como todos os demais negócios jurídicos, a espécie contratual analisada deve observância aos ditames estabelecidos pela parte geral da codificação. Assim, para que seja válido, é necessário que os agentes sejam capazes e o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável, observando forma prescrita ou não defesa em lei. Importante frisar que o casal deverá necessariamente viver na realidade dos fatos uma relação apenas de namoro, ainda que o chamado namoro qualificado. Também, observa‑se que o documento poderá ter a forma pública ou privado. Sugerimos que seja público para que conceda mais segurança jurídica para as partes.
CNB/PB – É possível alterar as cláusulas de um contrato de namoro após sua celebração?
Marília Pedroso Xavier – Havendo consenso entre as partes e desde que efetivamente se trate de um relacionamento de namoro, é possível alterar as cláusulas do contrato de namoro. Alguns tabeliões costumam sugerir aos casais que retornem periodicamente (em geral a cada seis meses ou no máximo em um ano) para renovar a escritura pública, declarando que seguem apenas namorando nos mesmos moldes do que foi pactuado, sendo que nessa oportunidade podem ser feitos ajustes de modo a contemplar a realidade fática do casal.
CNB/PB – Existem circunstâncias em que um contrato de namoro pode ser considerado inválido ou ineficaz?
Marília Pedroso Xavier – De maneira coerente com todos os demais institutos da ordem jurídica, o contrato de namoro não pode ser utilizado de forma desvirtuada e fraudulenta. Assim, na eventualidade de as partes efetivamente viverem em união estável, de nada adiantará pactuar o instrumento afirmando tratar‑se de mera relação de namoro ou de namoro qualificado. Não há qualquer efeito prático em pactuar um contrato de namoro que não esteja em consonância com a verdade dos fatos e a vontade das partes. Pior: atitudes de má‑fé e ilícitas nesse campo poderão gerar muitos dissabores futuros, incluindo sanções processuais e pecuniárias.
CNB/PB – Em caso de descumprimento de um contrato de namoro, quais são as medidas legais que podem ser tomadas?
Marília Pedroso Xavier – No meu livro relaciono inúmeras cláusulas essenciais para o contrato de namoro. Nesse sentido, as cláusulas que tratam do término do namoro são igualmente importantes para que não haja dúvidas de como o desligamento contratual será operado. É recomendável que o contrato contenha cláusulas que direcionem um eventual encerramento para algo ameno e consensual ou, ainda, negócios jurídicos processuais. Também, é possível prever mecanismos para tornar mais fácil a solução de questões típicas da dinâmica de namoros.
CNB/PB – Como foi o processo de escrita do livro “Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo”? Qual sua iniciativa?
Marília Pedroso Xavier – A primeira edição do livro foi fruto da minha dissertação de mestrado defendida em 2011. A obra ainda se revela pertinente e atual, sendo perceptível na contemporaneidade o acirramento judicial de temas que já eram então problematizados quando da escrita. Em razão do apelo midiático que o assunto tem recebido, fruto de alguns casos concretos simbólicos amplamente veiculados, a urgência do debate jurídico tem sido cada vez maior, razão pela qual lancei a terceira edição do livro, que conta com um capítulo totalmente novo voltado as questões práticas do contrato de namoro.
CNB/PB – De que forma a obra aborda o contrato de namoro?
Marília Pedroso Xavier – A obra aborda o contrato de namoro sob a perspectiva teórica, com profundo estudo da legislação doutrina e jurisprudência atuais, bem como sob a perspectiva prática. Sob a perspectiva prática, a terceira edição conta com um conteúdo completamente inédito, no qual abordo questões sobre a prática do contrato de namoro sob duas perspectivas. Uma pautada na vivência na advocacia, em que busco repassar alguns insights sobre a dinâmica entre advogado-clientes e entre clientes-clientes. A outra, pautada na experiência de construção das cláusulas e contato com os tabelionatos para lavratura das escrituras de contrato de namoro. Apresento um rol de cláusulas que entendo essenciais para um bom contrato de namoro e trata da temática sob a perspectiva de tabeliães que já vem lavrando contratos de namoro em seus cartórios.
Fonte: Assessoria de Comunicação do CNB/PB.