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Artigo – A Instituição De Cláusulas Restritivas Ao Direito De Propriedade Na Lavratura Da Escritura De Doação – Por Debora De Castro Da Rocha E Edilson Santos Da Rocha

Se revela fundamental que doadores e donatários considerem cuidadosamente as condições e limitações das cláusulas restritivas, pois, de modo geral, a instituição de cláusulas restritivas nas escrituras de doação pode ser uma ferramenta valiosa para garantir a preservação e o uso a longo prazo dos bens doados

A instituição de cláusulas restritivas ao direito de propriedade desempenha um papel relevante na regulamentação do direito de propriedade e na garantia do cumprimento de condições ou limitações específicas, isso porque, tais cláusulas restritivas quando incluídas nas escrituras de doação, impõem restrições à transmissibilidade, penhora ou comunicabilidade dos bens doados.[1]

As cláusulas restritivas atendem a diversos propósitos, como por exemplo, a proteção dos interesses dos beneficiários, a preservação do patrimônio familiar, assegurar o cumprimento de condições específicas estabelecidas pelo doador, pois, ao implementá-las, estes podem exercer controle sobre o uso e disposição de seus bens doados, mesmo após a lavratura da escritura de doação.[2]

A implementação das cláusulas restritivas ao direito de propriedade se dá com a lavratura da escritura de doação, instrumento este, que formaliza a transferência de bens do doador para o donatário, com a descrição dos termos e condições da doação, incluindo-se quaisquer cláusulas restritivas que possam ser impostas.[3]

Ao deixar claras as restrições na escritura de doação, tanto o doador, quanto o donatário, se tornam cientes de seus direitos e obrigações em relação ao bem doado, algo que contribui sobremaneira para evitar mal-entendidos ou litígios futuros e, por conseguinte, garantir que as intenções do doador sejam juridicamente vinculativas.[4]

O arcabouço legal que envolve a instituição de cláusulas restritivas ao direito de propriedade é regido principalmente pelo Código Civil, que trata das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, fornecendo diretrizes e limitações sobre os tipos e aplicabilidade de cláusulas restritivas.[5]

Art. 1.848: O doador pode impor ao donatário encargos, desde que não sejam contrários à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

Art.1.849: Os encargos não podem exceder o valor da liberalidade.

Art. 1.850: O donatário, que não cumprir os encargos, fica sujeito às sanções previstas neste Código, sem prejuízo da restituição do que recebeu.

Art. 1.911: A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Art. 1.912: A cláusula de impenhorabilidade não é eficaz se o bem for de propriedade de pequeno valor, ou se o proprietário for absolutamente incapaz.

Art. 1.913: A cláusula de incomunicabilidade não é eficaz se o casamento for celebrado antes da imposição da cláusula.

Tais cláusulas restringem, respectivamente, a transferência, comunicação e penhora dos bens doados, no entanto, é importante que seja observada a existência de algumas restrições, como o usufruto vitalício, o qual pode expirar com a morte do doador[6], do que promana a imprescindível compreensão jurídica do instituto da doação para que doadores e donatários garantam o adimplemento e a implementação efetiva das cláusulas restritivas[7], de modo a evitar litígios.

Tipos de cláusulas restritivas que podem constar na escritura de doação

Ao redigir uma escritura de doação, vários tipos de cláusulas restritivas podem ser incluídas visando impor limitações ao direito de propriedade, a exemplo do direito de preferência, que concede ao doador ou a um indivíduo determinado, o direito de adquirir a propriedade doada antes que ela possa ser alienada a terceiros[8], tudo isso objetivando garantir que a propriedade permaneça dentro de um círculo específico, o que permite o controle futuro.

Outro tipo de cláusula restritiva que pode ser incluída na escritura de doação é a vedação à venda ou transferência, restringindo ao donatário, a alienação e ou a transmissão do bem doado por um período de tempo especificado ou indefinidamente.[9]Ao implementar tal cláusula, o doador visa garantir que a propriedade permaneça na posse do donatário e que esta não seja alienada ou transmitida a terceiros.

Para além disso, tem-se que restrições de uso também são comumente incluídas em escrituras de doação como cláusulas restritivas, determinando como o bem doado pode ser utilizado pelo donatário.[10] Por exemplo, o doador pode especificar que o imóvel só pode ser utilizado para fins residenciais ou que certas atividades ou alterações serão vedadas, permitindo assim a manutenção do controle sobre a finalidade pretendida da propriedade, além de garantir que a utilização ocorra de acordo com sua vontade.

Condições e limitações para implementação de cláusulas restritivas

A aplicabilidade de cláusulas restritivas ao direito de propriedade na lavratura de escritura de doação está sujeita a determinadas regras, exemplo disso, é que de acordo com o artigo 1.911 do Código Civil, as cláusulas restritivas da propriedade, como a inalienabilidade, a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, não expiram com a morte do doador.[11]

As referidas cláusulas objetivam a imposição de limitações à alienação e transferência do bem doado, garantindo que ele permaneça dentro do escopo e finalidade pretendida na doação, no entanto, há exceções, a exemplo do usufruto vitalício, que só é válido durante a vida do doador[12], tais requisitos buscam fornecer uma estrutura para a imposição de cláusulas restritivas, contribuindo para manter a integridade da doação.

A duração e validade das cláusulas restritivas também são considerações importantes na implementação de tais cláusulas, pois, em regra, as cláusulas restritivas não impedem a alienação do bem doado[13], servindo estas, no entanto, como limitações ao exercício de certos direitos associados à propriedade, em vez de restrições absolutas à transmissão da propriedade.

O STJ no Recurso Especial 1.387.611/MG, esclareceu que as cláusulas de impenhorabilidade ou incomunicabilidade não impedem a alienação de bens doados, garantindo tal distinção, que a intenção do doador seja respeitada, ao mesmo tempo em que garante que os donatários possam usar os imóveis que receberam de forma livre, mas que, concomitantemente, a intenção dos doadores seja respeitada.

É cediço que a exigibilidade e os meios para que se evite a violação das cláusulas restritivas são essenciais para manter a integridade da doação, nesse propósito, o art. 1.848 e seguintes do Código Civil tratam expressamente das cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade[14], dispondo sobre a violação de tais cláusulas e as suas consequências jurídicas.

Diante disso, o STJ anulou cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade de bem doado, enfatizando a importância de se respeitar os limites estabelecidos pelo doador,[15] como forma de se garantir que as intenções do doador sejam mantidas e que a propriedade doada seja usada de acordo com as condições e limitações estabelecidas na escritura de doação[16].

Prós e contras da inclusão de cláusulas restritivas na escritura de doação

A inclusão de cláusulas restritivas na escritura de doação pode trazer diversas vantagens para o doador, pois pode permitir que este mantenha um certo nível de controle sobre o bem doado, mesmo após a transferência de propriedade, podendo tais cláusulas especificarem como o bem deve ser utilizado, garantindo que o bem seja destinado de maneira alinhada com as suas intenções, isso pode ser particularmente benéfico se o doador tiver desejos ou preocupações específicas em relação ao uso ou gerenciamento futuro do bem.

Além das vantagens para o doador, a inclusão de cláusulas restritivas na escritura de doação também pode beneficiar a comunidade ou o beneficiário, pois se por exemplo, a propriedade doada for designada para uma finalidade específica, como um imóvel destinado ao uso público, a exemplo de um centro comunitário, as cláusulas restritivas podem garantir que o imóvel seja utilizado exclusivamente para tal finalidade.[17] Dessa forma, as cláusulas restritivas se prestam à preservação dos benefícios pretendidos na doação e garante que a propriedade continue a cumprir sua função social em benefício da comunidade ou do donatário.

Noutro viés, é importante considerar as possíveis desvantagens e desafios associados à inclusão de cláusulas restritivas em uma escritura de doação, pois, um desafio potencial é a aplicabilidade de tais cláusulas, isso porque, muito embora, o doador possa ter intenções específicas para o uso do bem, podem haver limitações legais ou dificuldades práticas na aplicação de tais restrições.[18]

Isso porque, as cláusulas restritivas podem limitar a flexibilidade do beneficiário em termos de gestão ou alienação do bem doado, podendo criar complicações se o donatário precisar vender ou transferir a propriedade no futuro, portanto, é fundamental que, tanto o doador, quanto o donatário considerem cuidadosamente as implicações da inclusão de cláusulas restritivas na escritura de doação de forma a garantir que as cláusulas sejam claras, exequíveis e alinhadas com seus respectivos interesses.

Estudos de caso e exemplos de cláusulas restritivas em escrituras de doação

A implementação de cláusulas restritivas em escrituras de doação tem sido objeto de discussões relevantes, nesse sentido, há que se considerar que o artigo 1.911 do Código Civil de 2002 estabelece claras limitações ao pleno direito de propriedade, exigindo cuidadosa análise na imposição de tais cláusulas,[19] pois, o cancelamento de cláusulas restritivas inseridas em uma escritura de doação pode se tornar um problema.

Em decisão judicial, o STJ teve que determinar se essas cláusulas poderiam ser removidas, destacando a complexidade em torno de sua implementação[20], momento em que decidiu que cláusulas de impenhorabilidade ou incomunicabilidade não impedem a alienação de bens doados, reforçando ainda mais a necessidade de cautela na redação de tais cláusulas[21].

O impacto e os resultados da implementação de cláusulas restritivas em escrituras de doação podem variar, pois um título lavrado em condições semelhantes pode ter seu registro recusado devido à presença de cláusulas restritivas, isso porque, a Corte esclareceu que as cláusulas restritivas de bens, com exceção do usufruto vitalício, não se extinguem com a morte do doador.

Diante disso, destaca-se a importância de se considerar as implicações de longo prazo e as possíveis limitações de tais cláusulas ao redigir escrituras de doação[22], eis que segundo o entendimento do STJ, as cláusulas de impenhorabilidade ou incomunicabilidade não impedem a alienação dos bens doados, ressaltando-se a necessidade de clareza e precisão na redação de tais cláusulas.

Conclusão

Em última análise, a instituição de cláusulas restritivas ao direito de propriedade após a lavratura da escritura de doação consiste em importante instrumento jurídico que pode ser utilizado para proteger os interesses tanto do doador, da comunidade ou do donatário, pois, ao incluir cláusulas restritivas na escritura de doação, o doador pode garantir a manutenção do fim a que se destina o bem doado, a exemplo da preservação do bem para as gerações futuras ou a limitação de seu uso a atividades específicas.

Além disso, a comunidade ou donatário podem se beneficiar da estabilidade e proteção de longo prazo da propriedade doada, no entanto, também existem desafios e desvantagens associados à implementação de cláusulas restritivas, como a necessidade de aplicação por tempo indeterminado e o potencial risco de litígios.

Por fim, se revela fundamental que doadores e donatários considerem cuidadosamente as condições e limitações das cláusulas restritivas, pois, de modo geral, a instituição de cláusulas restritivas nas escrituras de doação pode ser uma ferramenta valiosa para garantir a preservação e o uso a longo prazo dos bens doados, todavia, podem trazer problemas graves ao beneficiário, caso não sejam observados os pormenores envolvidos no caso.

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[1] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.Acesso em: 07 ago. 2023.

[2] Herbert, T. C. (n.d.). TC Herbert Versão corrigida.docx. Revista UNI-RN, 1-10.  Disponível em: revistas.unirn.edu.br. Acesso em: 07 ago. 2023.

[3] IRIB. Doação modal e imposição de cláusulas restritivas. IRIB, s/d. Disponível em: https://www.irib.org.br. Acesso em: 7 ago. 2023.

[4] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[5] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[6] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[7] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[8] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[9] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[10] Herbert, T. C. (n.d.). TC Herbert Versão corrigida.docx. Revista UNI-RN, 1-10.  Disponível em: revistas.unirn.edu.br. Acesso em: 07 ago. 2023.

[11] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[12] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[13] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.155.547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[14] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[15] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.387.611/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 14/02/2016, DJe 25/02/2016.

[16] Herbert, T. C. (n.d.). TC Herbert Versão corrigida.docx. Revista UNI-RN, 1-10.  Disponível em: revistas.unirn.edu.br. Acesso em: 07 ago. 2023.

[17] Irib. Cláusula de inalienabilidade na doação de imóveis. Irib, s/d. Disponível em: https://www.irib.org.br. Acesso em: 7 ago. 2023.

[18] IRIB. Doação modal e imposição de cláusulas restritivas. IRIB, s/d. Disponível em: https://www.irib.org.br/obras/doacao-modal-e-imposicao-de-clausulas-restritivas. Acesso em: 7 ago. 2023.

[19] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

[20] Teixeira, W. B. L. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 200 p.

[21] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.155.547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011.

[22] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1155547/MG, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/647287485.  Acesso em: 07 ago. 2023.

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Debora de Castro da Rocha é advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha é advogado sócio administrador pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia.

Fonte: Migalhas

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