Caso de Antônio Cícero reacende importância das Diretivas Antecipadas de Vontade e o papel dos cartórios no apoio à autonomia e à segurança jurídica em decisões de saúde
O recente falecimento do poeta e escritor Antônio Cícero, conhecido pela notável contribuição à literatura brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras, trouxe à tona discussões sobre a autonomia nas decisões sobre cuidados médicos no fim da vida. Cícero, que lutava contra o Alzheimer, optou por um procedimento de morte assistida na Suíça, país onde a prática é permitida, o que motivou reflexões sobre a importância das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) no Brasil. Esse instrumento, ainda pouco conhecido pela população, é uma ferramenta que permite a qualquer pessoa expressar previamente suas preferências sobre cuidados médicos em situações onde esteja incapacitada de comunicar suas vontades.
De acordo com isso, o Colégio Notarial do Brasil – seção Paraíba (CNB/PB) conversou com o advogado de família Ramon Ferraz Cavalheiro. De acordo com ele, o caso de Antônio Cícero ilustra o valor das DAV como uma forma de trazer tranquilidade tanto para os pacientes quanto para seus familiares. “As Diretivas Antecipadas de Vontade são um instrumento que permite que o indivíduo, de forma antecipada, manifeste sua vontade em relação às diretrizes que deverão ser respeitadas para se submeter a um eventual tratamento médico futuro, caso venha a ficar impossibilitado de expressar sua vontade ou suas preferências”, explica o advogado. Essa possibilidade evita que, em momentos de vulnerabilidade, decisões médicas precisem ser tomadas por terceiros, reduzindo conflitos familiares e incertezas quanto ao que realmente desejaria a pessoa incapacitada.
Ainda que o procedimento de morte assistida seja proibido no Brasil, as DAV permitem que o indivíduo, ao registrá-las em cartório, especifique quais tratamentos deseja ou não receber, caso venha a perder a capacidade de comunicar-se. “Essa ferramenta pode contribuir para proporcionar tranquilidade e paz ao paciente e também aos seus familiares, evitando que, diante de um grave problema de saúde, na hora do sofrimento, as decisões sobre tratamentos médicos tenham que ser tomadas pela família, o que pode gerar conflitos, angústia, discordâncias ou dúvidas”, pontua Cavalheiro. Em meio a um cenário de crescente demanda por esse tipo de planejamento, o advogado destaca o apoio jurídico como fundamental para que o processo ocorra com segurança e respaldo legal.
Ele também alerta sobre a importância da formalização das DAV em cartório, recomendando que os interessados procurem orientação profissional tanto de advogados quanto de médicos. “Ao considerar registrar as Diretivas Antecipadas de Vontade em cartório, é interessante buscar um advogado de confiança, que poderá contribuir, juntamente com o Tabelião, para que a construção dos termos represente a vontade do indivíduo e assegure-lhe segurança jurídica”, explica o advogado. Ele enfatiza a importância de que as instruções sejam claras e detalhadas, com preferências bem definidas sobre cuidados e tratamentos médicos que o paciente deseja ou não receber. Segundo Ferraz, essa especificidade evita interpretações ambíguas e garante que o documento seja facilmente compreendido e cumprido.
Um dos pontos mais relevantes sobre as DAV é a proteção legal que o documento formalizado em cartório oferece. A Escritura Pública das DAV garante segurança jurídica e protege o paciente de questionamentos futuros quanto à validade do documento. “Uma vez formalizadas em cartório, as DAV podem ser acessadas com facilidade por familiares ou médicos, evitando dúvidas e desconfiança sobre a validade da vontade do paciente”, afirma o advogado. Além disso, a fé pública atribuída à Escritura Pública pelo Código Civil brasileiro assegura que o documento tenha pleno valor legal, reforçando a segurança jurídica para todas as partes envolvidas.
Ainda assim, existem erros comuns que muitas pessoas cometem ao abordar suas DAV, como a falta de clareza nas diretrizes ou a decisão de formalizar o documento apenas em âmbito particular. Cavalheiro destaca que documentos “de gaveta”, não registrados em cartório, podem causar problemas na hora de sua aplicação. “A formalização evita desentendimentos familiares, surpresas indesejadas e atrasos no cumprimento das vontades do paciente”, ressalta. Outro erro comum é esquecer de atualizar o documento ao longo dos anos, ignorando que as vontades e as condições médicas mudam com o tempo, o que pode gerar interpretações incompatíveis com o desejo atual do paciente.
Para o advogado, a procura por DAV é um indicativo de que a sociedade brasileira está mais consciente da importância de um planejamento antecipado e pessoal sobre cuidados de saúde. A difusão de informações sobre o tema, especialmente com o apoio de tabelionatos, contribui para fortalecer a autonomia dos cidadãos em momentos de vulnerabilidade. “A crescente procura por DAV indica que a sociedade está se tornando mais consciente sobre a importância do planejamento em questões de saúde e dignidade para o final da vida. Esse tipo de planejamento é um direito acessível a todos, e não apenas a pessoas idosas ou com doenças terminais”, finaliza Cavalheiro.