Na Justiça de São Paulo, um divórcio litigioso chegou ao fim com a exclusão das dívidas da empresa administrada pelo ex-marido e divisão do patrimônio em 50% para cada um dos ex-cônjuges. Eles se casaram em 2003, pelo regime da comunhão parcial de bens, tiveram dois filhos e estão separados de fato desde meados de 2019. A decisão é da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo.
Em sede de contestação, a advogada Kelly Angelina de Carvalho, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, utilizou a tese de tentativa de fraude à partilha, apresentando provas da existência e propriedade dos bens que constituíam o patrimônio do casal. No processo, o homem também alegou a existência de empresa individual em seu nome e dívidas desta para compor o patrimônio a partilhar no divórcio.
A mulher esclareceu que a empresa citada era administrada exclusivamente pelo ex-cônjuge. Por isso, ela não seria responsável pelas dívidas contraídas. Acrescentou que o empreendimento deixaria de ser movimentado, já que o ex-marido abriu um segundo negócio no nome da filha com a mesma razão social, endereço e contato. A intenção, segundo a defesa, nunca foi pagar as dívidas, mas prejudicar a partilha e meação.
O juiz Eduardo Moretzsohn de Castro, responsável pelo caso, esclareceu que sob a comunhão parcial de bens, à luz do artigo 1.658 do Código Civil, comunicam-se os bens que sobrevierem na constância do casamento, salvo as exceções previstas no artigo 1.659, I a VII, do mesmo diploma legal.
“Presume-se a aquisição dos veículos, dos móveis e utensílios e do apartamento financiado, de forma equânime, independentemente do registro em nome do autor ou da ré”, sustentou. Assim, o magistrado acatou a tese da ré e determinou a partilha de 50% dos bens, móveis, imóveis e créditos indenizatórios do casal, na proporção de 50% para cada, bem como excluiu da partilha as empresas e suas dívidas.
Fraude é recorrente em processos de divórcio, diz advogada
A advogada Kelly Angelina de Carvalho explica que a tentativa de fraude não foi expressamente reconhecida pelo magistrado. “Por esta razão, não houve uma penalidade explícita para o homem, a não ser a própria inclusão na partilha dos bens outrora ocultados por este”, pontua.
“Antes de a ré contestar a ação, houve inúmeras propostas de acordo no sentido de fazê-la renunciar aos bens ora partilhados, e levar à baila dos autos os documentos que comprovavam a propriedade dos bens do casal, evidenciando a possível tentativa de fraude à partilha, sem dúvidas, corroborou para o convencimento do juiz e proferimento da sentença, na qual os bens foram partilhados em proporções iguais, em conformidade com a legislação vigente.”
As tentativas de fraude são recorrentes nos processos de divórcio, segundo Kelly. “É comum nos depararmos com casais que, durante o matrimônio, não estiveram em igualdade de condições financeiras e profissionais. Não é incomum o homem ser o provedor do lar e administrar todos bens da família, enquanto a mulher se dedica exclusivamente às atividades domésticas e, muitas vezes, nem possui conhecimento da existência dos bens do casal.”
“Desta forma, no momento da dissolução conjugal, a situação se torna propícia para uma possível ocultação de patrimônio, prejudicando a meação do cônjuge. Acredito que uma maneira de combatermos essa prática é, sempre que a identificarmos, suscitar a tese de fraude à partilha, defendendo assiduamente o direito de meação do cônjuge aos bens, levando ao juiz o conhecimento dos fatos e o convencendo a aplicar a legislação vigente. Quanto mais os operadores do Direito agirem contra essas fraudes, mais decisões judiciais teremos neste sentido, e consequentemente, o exercício da fraude será mitigado.”